terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Resenha de "O culto do amador"

O culto do amador
O culto do amador, de Andrew Keen, foi lançado em 2007 nos Estados Unidos e publicado em 2009 aqui no Brasil. No livro, Keen defende a polêmica teoria de que a internet destroi a cultura, em vez de democratizá-la, e promove a "ditadura da ignorância". Ele critica de forma negativa algumas características da rede, como a facilidade no compartilhamento - de arquivos ou de ideias - e a cultura do "faça você mesmo".

Em O culto do amador, Andrew Keen tenta provar, de forma bastante extremista, o impacto negativo que a internet vem tendo na economia e nos valores da nossa sociedade. Segundo Keen, em uma comparação com o “teorema do macaco infinito” do biólogo evolucionista T.H. Huxley, o fácil acesso à internet e a cultura de inteligência coletiva que ela traz estão promovendo a criação de “uma interminável floresta de mediocridade”.
Para o autor, a internet e todas as suas ferramentas estão contribuindo para destruição da nossa cultura, economia e valores. Andrew Keen, porém, padece dos mesmos erros cometidos por alguns dos autores pró-internet que critica no texto – o extremismo exagerado, a falta de um meio-termo em relação ao uso da ferramenta.
Ele cita os sites das grandes empresas de comunicação, como a CNN e a BBC, como fonte irrefutável de credibilidade, mas parece esquecer o que há por trás dessas grandes corporações, cheias de critérios subjetivos – fatores políticos, econômicos, a busca pela audiência – que direcionam o que é ou não publicado. O jornalismo, ao contrário do que Keen dá a entender, não é uma atividade praticada de forma isenta. Para ele, o julgamento especializado de editores evita que informações falsas e desrespeitosas, por exemplo, e que teoricamente são divulgadas de forma arbitrária na internet, sejam publicadas.
Keen ainda afirma que alguns assuntos importantes – e ele cita como exemplo uma guerra no Líbano – têm sua publicação garantida na mídia tradicional, ao contrário do que se divulga na internet, que, segundo ele, são apenas informações fúteis e inúteis. Sabe-se, porém, que os meios tradicionais, por suas motivações por vezes obscuras, deixam de noticiar fatos importantes que só se tornam conhecidos no mundo através da internet, como os recentes protestos acontecidos na Espanha. A internet não distorce a verdade, como afirma Keen, mas ajuda a descobrir a verdade que a mídia tradicional, algumas vezes, distorce.
É comum algo sair primeiro na internet, e, só depois, ser divulgado nos jornais e na TV. E é preciso, também, analisar a maneira como esses fatos são apresentados na mídia tradicional. Nesse ponto, há o famoso caso da “bolinha de papel” que atingiu o candidato José Serra durante a campanha para as eleições de 2010, tratado pela RedeG Globo como uma agressão e utilizado pela emissora como material de campanha pró-Serra.
Andrew Keen

Para Andrew Keen, a internet é utilizada exclusivamente como uma forma de auto-promoção e de divulgação de cultura e informações inúteis, em vez de fonte de notícias e de informação e cultura “real”.  E por que um aspecto anularia o outro? Por que o fato de procurar sites de fofocas de celebridade impede o indivíduo de buscar também sites noticiosos de grandes corporações, como Keen afirma? O ser humano tem vários interesses, que dependem do contexto, do que acontece no momento.
O autor parece ser defensor do lucro das grandes indústrias, mas não leva em conta que elas também podem lucrar com a internet. Segundo ele, os especialistas não podem ser os “macacos” que ele tanto critica. O conhecimento e o produto só são positivos se forem corporativos e puderem ser comprados com dinheiro. O conhecimento não precisa ter um dono. A criação compartilhada não significa, necessariamente, a destruição da fronteira entre público e autor e a “morte do livro”, por exemplo, citada por Andrew.
Mas a internet também pode levar cultura às massas, como Keen tanto queria e afirma que não é possível. Por que a internet tem que ser vista apenas como feita pelo próprio usuário? Quantas pessoas tiveram a oportunidade de conhecer, por exemplo, grandes artistas de outros países e outras épocas? Quantas pesquisas científicas foram feitas, ao mesmo tempo, por pesquisadores em vários pontos do mundo? Oportunidades que seriam muito mais difíceis sem uma rede interligada de computadores.
Andrew Keen critica também o fato de que a inteligência coletiva de sites como a Wikipedia criam uma verdade baseada no consenso entre seus usuários. Segundo ele, revisores e editores garantem a publicação da verdade, o que não existe na internet. Mas a simples existência de editores e revisores não impede o erro. Prova disso é a seção erramos, presente em todas as edições de todos os jornais do mundo. Além disso, esses profissionais da mídia tradicional obedecem as ordens de cargos acima deles, com critérios subjetivos já citados.
O autor critica, especialmente, Chris Anderson, criador da teoria da Cauda Longa. Segundo Keen, tudo o que é produzido por usuários na internet, sejam vídeos ou blogs, por exemplo – a cauda longa de Anderson – não tem a mesma qualidade dos produtos da indústria do entretenimento. Para Keen, a internet não cultiva talentos. Ele afirma que apenas a estrutura completa da mídia tradicional, com profissionais que vão desde olheiros a técnicos e publicitários, podem transformar talento e sucesso. Mas o autor não leva em conta, por exemplo, todos os novos músicos que surgiram na internet e foram aproveitados pela mídia tradicional, como Justin Bieber, Mallu Magalhães e Greyson Chance, que hoje fazem sucesso também fora da internet. No caso da mídia tradicional, o sucesso, muitas vezes, acaba não dependendo só do talento.

A internet tem, sim, muitos problemas. Vários deles citados no texto, como a excessiva exposição do eu, o anonimato e a cultura do “copiar e colar”. Mas ela não é só feita de problemas, tem soluções também, como a democratização das ferramentas, a diminuição do lucro das grandes corporações, a facilidade de denunciar crimes. Andrew Keen, como muitos outros autores, pró e contra a internet, não leva em consideração esses dois lados, dando ênfase apenas naqueles aspectos que ajudam a reafirmar o pensamento dele. A internet não é simples o bastante para ser definida apenas como positiva ou negativa.
Quem quiser ler a introdução e o primeiro capítulo da obra de Keen, trecho que serviu de base para essa resenha, é só clicar aqui. O autor também mantém um blog. Na época do lançamento de O culto do amador no Brasil, Keen deu uma entrevista para o Programa Milênio, da Globo News. A entrevista está disponivel no youtube.




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